31.1.10

Foliões apaixonados

ANDREI BASTOS

Ao contrário do que diz a marchinha, este ano vai ser rigorosamente igual aquele que passou, e a muitos dos que vieram antes. Pelo menos para Ivete e Roberto, seu companheiro, ambos cegos, dos olhos e de amor. Eu os conheci no carnaval de 2007, no Sambódromo, e fui cativado pela beleza e animação do casal que, mesmo em meio a tanta festa e fantasia, se destacava e chamava atenção sem usar nenhum paetê. Seus sorrisos bastavam.

No entanto, meus amigos são triplamente excluídos. Pobres, negros e com deficiência, eles teriam muito do que se queixar não fosse a grande alegria por estarem juntos, e que manifestam a todo instante. Especialmente Ivete, que transborda sua felicidade em tudo o que faz ou diz. Isso não quer dizer, de modo algum, que o jeito Cartola de ser de Roberto, que vai além da semelhança física e chega à própria alma de sambista, abrigue um coração amargurado ou triste.

Aos nove anos, Ivete perdeu a visão de um olho e, aos 37, do outro. Com 63 anos, ela trabalhou como técnica de câmara escura (Raios X) no Hospital Cardoso Fontes e, como professora, se especializou para ensinar pessoas com deficiência visual no Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Não foi aceita em nenhuma escola e, por isso, se dedica a ensinar crianças cegas em sua própria casa.

Cinco anos mais jovem que sua companheira e também técnico de câmara escura, Roberto perdeu a visão num acidente, aos 39 anos, e está casado com Ivete desde 1991. Moradores de Guadalupe, eles vão a todos os dias de desfile, todos os anos, e ficam até o final, invariavelmente acompanhados por Esther, afilhada de Ivete, que não tem o mesmo entusiasmo e sempre dorme fazendo as bolsas de travesseiros, mas sem reclamar – faz questão de deixar claro.

Estes dois foliões apaixonados realmente nos fazem pensar! Pode até ser que a paixão de um pelo outro seja a origem de todo o resto do muito amor pela vida, pelo carnaval, pelo samba, mas isso não diminui o significado da celebração da existência que representam. Ao se colocarem no mundo com seus sorrisos e com sua altivez, diante de preconceitos e discriminação em três realidades simultâneas – pobreza, negritude e deficiência –, Ivete e Roberto nos ensinam a viver, e a vencer.

Toda a riqueza e todas as respostas estão contidas nestas duas pessoas e na generosidade delas. Quem os vê não consegue identificar neles nenhuma marca da maldade ou inconsciência humanas, e esta é sua maior vitória contra o preconceito e a discriminação. Três vezes.

Três vezes precisamos aprender a colocar a inconsciência e a incivilidade nos seus devidos lugares e ignorá-las ou anulá-las com nossa capacidade de amar, principalmente a nós mesmos. Se afirmarmos nosso amor em todas as suas formas, pela nossa companheira ou companheiro, pelo nosso estudo ou trabalho, em nossa sexualidade ou em nossa arte, superaremos a maior de todas as barreiras, a que está em cada um de nós.

É claro que isto se aplica a todas as pessoas e preconceito e discriminação não são padecimentos exclusivos de determinados segmentos. Como cada ser humano é de um jeito, a rigor todos estão incluídos nesta sina, só que uns precisam se afirmar mais do que outros, por serem mais “diferentes”, como é o nosso caso, de foliões apaixonados com deficiência.

27.1.10

Perdão para o Haiti

Ajude o Haiti - cancele a dívida externa

Olá,

Eu acabei de assinar uma petição pedindo o cancelamento da dívida externa do Haiti de USD$ 1 bilhão. O povo do Haiti não deveria ter que pagar uma dívida feita por ditadores não eleitos do passado enquanto eles tentam se recuperar do terremoto.

Leia mais abaixo, ou clique para assinar a petição:

http://www.avaaz.org/po/haiti_cancel_the_debt_7/98.php?CLICK_TF_TRACK

*****************

Caros amigos,

É chocante: mesmo com ajuda sendo direcionada para as comunidades desesperadas do Haiti, o dinheiro sai por outro lado para pagar a dívida externa exorbitante do país. Mais de $1 bilhão de uma dívida injusta acumulada anos atrás por credores e governos inescrupulosos.

O chamado pelo cancelamento total da dívida externa do Haiti está ganhando força ao redor do mundo e já convenceu alguns governantes. Porém, rumores dizem que outros países credores ainda estão resistindo. O tempo é curto: os Ministros das Finanças do G7 irão tomar uma decisão semana que vem em um encontro no Canadá.

Vamos gerar um chamado global por justiça, compaixão e bom senso para o povo do Haiti neste momento de tragédia. A Avaaz e parceiros irão entregar o chamado pelo cancelamento da dívida externa diretamente no encontro. Clique abaixo para assinar a petição e depois divulgue para os seus amigos:

http://www.avaaz.org/po/haiti_cancel_the_debt_7/98.php?CLICK_TF_TRACK

Mesmo antes do terremoto, o Haiti já era um dos países mais pobres do mundo. Depois que os escravos Haitianos ganharam a independência em 1804, a França demandou bilhões em indenização – lançando uma espiral de pobreza e dívidas injustas que já duram dois séculos.

Há alguns anos, campanhas globais pelo cancelamento de dívidas externas despertaram a consciência do mundo. Nos últimos dias, sob uma pressão crescente, financiadores começaram a dizer a coisa certa sobre o cancelamento da dívida externa do Haiti, que ainda é um fardo devastador para o país.

Porém o problema está nas entrelinhas. Depois do tsunami em 2004, o FMI anunciou um alívio no pagamento da dívida externa dos países atingidos – mas os juros continuaram a acumular. Quando a atenção pública diminuiu, os pagamentos da dívida eram maiores do que nunca.

Chegou a hora de cancelar a dívida externa do Haiti incondicionalmente para garantir que a ajuda enviada seja em forma de doação e não empréstimo. Uma vitória agora irá afetar a vida das pessoas do Haiti, mesmo depois que a atenção do mundo se dissipar. Participe do chamado pelo cancelamento da dívida externa e depois encaminhe este alerta para pessoas que se preocupam também:

http://www.avaaz.org/po/haiti_cancel_the_debt_7/98.php?CLICK_TF_TRACK

Enquanto assistimos as imagens na televisão e pela Internet, é difícil não se comover. E a relação dos países ricos com o Haiti é de fato bastante obscura.

Porém, momentos como este podem trazer transformações. Ao redor do mundo, milhões de pessoas fizeram doações para salvar vidas no Haiti. Apoiadores da Avaaz contribuíram mais de USD$ 1 milhão nos últimos 10 dias. Porém, nós precisamos erguer as nossas vozes como cidadãos globais para trazer à tona as causas humanas que deixaram nossos irmãos e irmãs do Haiti tão vulneráveis aos desastres naturais.

Não podemos fazer o suficiente para mudar tudo, mas vamos fazer tudo que podemos.

Com esperança,

Ben, Alice, Iain, Ricken, Sam, Milena, Paula e toda a equipe Avaaz

PS: Para fazer uma doação para o Haiti, clique aqui:
https://secure.avaaz.org/po/stand_with_haiti/98.php?CLICK_TF_TRACK

24.1.10

Acessibilidade em Búzios

ANDREI BASTOS

Nessas minhas férias em Búzios, surpreso com vagas de estacionamento reservadas respeitadas, ônibus adaptados, rampas e calçadas rebaixadas, fiquei curioso e procurei saber como tinha sido essa história da acessibilidade no pedaço. Conversando aqui e ali, dando uma olhada nos arquivos dos jornais locais, constatei, mais uma vez, que do céu só cai chuva mesmo.

Descobri com as conversas e na pesquisa que, em 2006, a então deputada estadual Georgette Vidor, paraplégica, esteve na cidade fazendo palestras sobre acessibilidade e distribuindo cartilhas do Núcleo Pró-Acesso da UFRJ e que, no entanto, nesse mesmo ano foi sancionado um Plano Diretor que não contemplava as necessidades das pessoas com deficiência.

Também fiquei sabendo que, depois de algumas iniciativas para isso em outras cidades da Região dos Lagos, na forma de eventos para conscientização, só recentemente, em 2009, e por conta de uma decisão judicial, é claro, o município passou a respeitar a lei e a se tornar acessível.

Assim, a verdadeira história da acessibilidade em Búzios começa com Juciara Tardelli dos Santos Silva, paralítica dos membros inferiores, que “foi constrangida a ‘rastejar’ pelos degraus, para conseguir subir no ônibus”, inclusive ferindo-se pela acomodação inadequada durante a viagem. Ela acionou a empresa Salineira, que foi condenada pelo juiz João Carlos Corrêa, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública, a lhe pagar uma indenização e a providenciar a adaptação de veículos.

Ou seja, caro leitor, sem Brahma não dá! Quer dizer: sem briga, sem luta pelos nossos direitos, nas cidades mais desenvolvidas ou em paraísos como Búzios, a inclusão das pessoas com deficiência não cai do céu, não acontece como simples resultado do discernimento humano.

Portanto, se o novelista Manoel Carlos levar Luciana para tomar sorvete e fazer compras na Rua das Pedras, fugindo do calor do “Rio 50 graus” num dos próximos capítulos ainda de verão de “Viver a Vida”, dará ao seu gigantesco público Brasil afora uma excelente oportunidade de se conscientizar e refletir sobre os benefícios da acessibilidade para todos e sobre a importância de se lutar por isso. Ricos, pobres, com deficiência ou não, em Búzios, no Leblon ou na favela da Sandrinha, a personagem que vive no extremo oposto ao glamour do high society e das passarelas, todos poderão se engajar nessa luta.

A simples existência da personagem tetraplégica na novela já é grande contribuição para a perda da nossa “invisibilidade” e, certamente, as questões das pessoas com deficiência também já estão sendo melhor compreendidas através do dia a dia de Luciana mostrado na TV.

Com tudo isso, talvez a acessibilidade passe um pouco a fazer parte do ideário popular, o que contribuirá para uma nova visão do mundo em que vivemos e para que muitas ações judiciais deixem de acontecer por inexistência de motivos, da mesma forma que deixarão de existir muitas outras Juciaras constrangidas.

***

Leia também:

Vidinha mais ou menos…

22.1.10

Maré discute Segurança Pública


19.1.10

Praia Para Todos


O Espaço Novo Ser tem o prazer de convidar para a inauguração do Projeto PRAIA PARA TODOS - Projeto Itinerante de Lazer e Desporto para Pessoas com Deficiência nas Praias Cariocas - no dia 24 de janeiro, às 9 hs, na Barra da Tijuca, Posto 3, em frente à Praça do Ó.

Nena Gonzalez
Espaço Novo Ser - Acessibilidade Plena e Inclusão Social
http://www.novoser.org.br/
http://www.praiaparatodos.com.br/
Tel: 21 3904-2614

Bloco Gargalhada


SAMBA QUE ATÉ SURDO “OUVE”

Como vem fazendo há cinco anos, o Bloco Gargalhada contará com a presença de um intérprete de Libras (Liguagem de Sinais) em todos os seus eventos, prestigiando e incluindo a comunidade surda que participa do bloco.

Com o tema “Arruda, Comigo-Ninguém-Pode, Vence-Demanda… Brasil, Vamos abrir caminho que vem a Copa e a Olimpíada aí Gente!…” o irreverente bloco de Vila Isabel promete proporcionar muitas gargalhadas e um show de alegria e bom humor em seu desfile no domingo, dia 14 de fevereiro.

A escolha do samba acontecerá no feriado, 20 de janeiro, a partir das 14:00 na Associação Atlética Vila Isabel, rua Vinte Oito de Setembro, 160, Vila Isabel. A entrada é franca. Opcional Angu à Baiana.

Contatos: Yolanda Braconnot - Presidente do Bloco 21 9979 9397 ou 22643566

16.1.10

Vidinha mais ou menos…

ANDREI BASTOS

Are baba! Estou curtindo umas férias em Búzios durante o mês de janeiro, “levando uma vidinha mais ou menos…”, como disse minha nora Jaqueline ao me visitar. Um dia na piscina, outro na praia, tomando sorvete na Rua das Pedras, lendo um livro na rede da varanda. É mole ou quer mais?

Como sempre quero mais – acessibilidade, fim de preconceito e discriminação, inclusão –, nessa minha estada em Búzios olho para a cidade com bastante rigor em relação à sua adequação às pessoas com deficiência. Afinal, como se não bastasse respeitar a lei, o balneário divide com o Rio de Janeiro a principal ambientação da novela “Viver a vida” da TV Globo, que tem uma das protagonistas tetraplégica.

Numa sexta-feira à noite, eu, Jaqueline e Elisa, minha neta, fomos passear na Rua das Pedras. Com o enchimento de gente normal do verão aumentado por ser véspera de fim de semana, as estradas e ruas estavam congestionadas e os estacionamentos lotados. Depois de procurarmos vaga para estacionar por um bom tempo, lembrei de uma para pessoas com deficiência na rua que dá acesso ao bochincho da night.

Chegamos ao lugar que eu lembrava e minha primeira boa surpresa foi encontrar não uma, mas quatro vagas reservadas, com apenas uma ocupada, por carro de pessoa com deficiência, bem entendido. A segunda boa novidade foi ver que um dos guardadores de carros, quem diria, era um cadeirante, uniformizado e tudo.

Beleza! Estacionamos e fomos para nosso passeio, eu de muletas com ponteiras de borracha novas, compradas antes da viagem como itens de segurança junto com a revisão do carro. Embora os calçamentos das ruas sejam irregulares, não é difícil muletar ou tocar uma cadeira de rodas. É verdade que não encontrei tantos cadeirantes e muletantes como nos shoppings do Rio antes do Natal, pois apesar de a moçada estar saindo, ainda não chegou a Búzios com a mesma força.

Mas o guardador de carros cadeirante e o garoto que tocava a cadeira no meio do povaréu que batia perna já constituíram novidade de bom tamanho para mim, que frequento a cidade desde 1960, quando cheguei do Ceará com nove anos e passei um réveillon aqui, coincidentemente próximo à casa em que estou. Naquela época, a falta de acessibilidade era para todos, começava na estrada terrível que nos trazia e quem morava ou tinha casa de veraneio na região fazia questão de manter a situação daquele jeito para evitar que estragassem o paraíso com os pecados da civilização.

Há um bocado de tempo isso é coisa do passado e hoje o balneário vive um novo capítulo na sua história, só faltando o Manoel Carlos trazer a Luciana da novela “Viver a vida” para um fim de semana na bela casa de veraneio do seu pai. Acredito que ela não vai ter muitos problemas para fazer compras ou jantar na Rua das Pedras.

Deixando a sugestão acima para o novelista e para os cadeirantes da vida real, acho que as belezas naturais e arquitetônicas de Búzios e de todo o Brasil são excelentes molduras para a emancipação das pessoas com deficiência no turismo, estimulando-as e fazendo com que elas comecem a sair também de suas cidades, visitem os lugares que igualmente são seus e passem a viver mais a vida.

Duelo

Cena antológica do filme “Amargo Pesadelo”

Duelo de Banjo x Violão do filme “Amargo Pesadelo”

O vídeo é uma cena verídica. O garoto não é ator, apenas um AUTISTA que residia no local onde estavam a ser feitas as filmagens de “Amargo Pesadelo”.

A equipe parou num posto de gasolina para abastecer e aconteceu a cena mais marcante que o director teve a felicidade de encaixar no filme.

Vale a pena o duelo, a beleza do momento e, mais que tudo, a alegria do garoto. Repare na sua expressão. No início está distante, mas, à medida que toca o seu banjo, ele cresce com a música e vai se deixando levar por ela, até transformar a sua expressão num sorriso contagiante, transmitindo a todos a sua alegria.

A alegria de um autista, que é resgatada por alguns momentos, graças a um violão forasteiro. O garoto brilha, cresce e exibe o sorriso preso nas dobras da sua deficiência, que a magia da música traz à superfície.

Depois, ele volta para dentro de si, deixando a sua parcela de beleza eternizada “por acaso” no filme “Amargo Pesadelo” (Ano: 1972).

Clique aqui para assistir ao vídeo.

15.1.10

Imbecil!

Site Em Dia Com A Cidadania, 15/01/2010:

CONSUL DO HAITI NO BRASIL DIZ QUE “DESGRAÇA ESTÁ SENDO BOA” PARA ELE, AQUI

Está na Folha Online:

Reportagem exibida ontem (14) no “SBT Brasil” mostra o cônsul geral do Haiti em São Paulo, George Samuel Antoine, afirmando que a tragédia no Haiti está tendo bons resultados para ele e atribuindo a culpa do terremoto de terça-feira (12) à religião.

Antoine deu as declarações à repórter Elaine Cortez sem saber que estava sendo gravado.

“A desgraça de lá está sendo uma boa pra gente aqui, fica conhecido”, disse o cônsul. “Acho que de tanto mexer com macumba, não sei o que é aquilo… O africano em si tem maldição. Todo lugar que tem africano lá tá f…”, completa Antoine.

O imbecil, claro, não se deu conta que estava sendo gravado.

O que fazer com um sujeito como este?

(Saiba mais)

14.1.10

Solidariedade com o Haiti

Caros amigos,

O pior terremoto dos últimos 200 anos atingiu o Haiti esta semana. A capital do país foi devastada, matando milhares de pessoas e ameaçando mais de 3 milhões neste país já desesperadamente pobre.

Os haitianos estão pedindo ajuda urgente ao mundo. Nós já estamos em contato com organizações locais que estão mobilizando esforços comunitários de alívio e resgate. Vamos apoiar estes grupos locais enviando uma onda de doações do mundo todo para apoiar o seu trabalho na linha de frente da tragédia. O dinheiro será usado agora para salvar vidas e, depois, para recuperar e reconstruir suas comunidades. A Avaaz irá trabalhar com parceiros para garantir que a ajuda chegue aos que mais precisam. Clique abaixo para doar:

https://secure.avaaz.org/po/stand_with_haiti

Com base na opinião de especialistas das principais ONGs humanitárias que trabalham no Haiti há mais de 30 anos, nós vamos oferecer doações a organizações locais confiáveis, incluindo:

1. Honra e Respeito por Bel Air - uma grande rede comunitária sediada na capital do Haiti, Porto Principe, que é também apoiada pela Viva Rio
2. Coordination Régionale des Organisations de Sud-Est (CROSE) - que reúne alguns dos grupos comunitários mais ativos no sul do Haiti, onde o terremoto foi mais forte. Esses grupos incluem: grupos de mulheres, escolas e redes de cooperativas locais.

Em 2008, os membros da Avaaz doaram mais de US$ 2 milhões para monges birmaneses depois que o ciclone Nargis devastou a Birmânia. O nosso dinheiro fez uma diferença incrível, justamente porque ele foi enviado diretamente para a população local na linha de frente dos esforços humanitários.

Momentos de tragédias dolorosas podem despertar o melhor de nós, unindo as pessoas pela solidariedade. Vamos apoiar o povo do Haiti e ajudá-los a resgatar suas comunidades desta catástrofe brutal - aja agora no link abaixo:

https://secure.avaaz.org/po/stand_with_haiti

Com esperança pelo Haiti,

Luis, Paul, Graziela, Paula, Ricken, Pascal, Alice, Benjamin, Milena e toda a equipe Avaaz

Mais informações:

Catástrofe abala a frágil recuperação do Haiti

Mortos por terremoto no Haiti podem ser dezenas de milhares

Haiti é país marcado por catástrofes

***

SOBRE A AVAAZ

Avaaz.org é uma organização independente sem fins lucrativos que visa garantir a representação dos valores da sociedade civil global na política internacional em questões que vão desde o aquecimento global até a guerra no Iraque e direitos humanos. Avaaz não recebe dinheiro de governos ou empresas e é composta por uma equipe global sediada em Londres, Nova York, Paris, Washington DC, Genebra e Rio de Janeiro. Avaaz significa “voz” em várias línguas européias e asiáticas. Telefone: +1 888 922 8229

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http://www.avaaz.org

Anistia, uma revisão

O Globo, Opinião, 14/01/2010:

Anistia, uma revisão

DANIEL AARÃO REIS

Em agosto de 1979, foi aprovada uma Lei de Anistia baseada na conciliação das vontades e dos interesses, um pacto de sociedade. Nas margens ficaram os partidários de uma anistia ampla, geral e irrestrita, que previa o desmantelamento dos órgãos de repressão. Triunfaram então os conciliadores de todos os bordos, propuseram tudo esquecer, os desmandos da ditadura, vitoriosa, e os projetos revolucionários de luta armada, derrotados.

Um pacto de sociedade, como um tratado, ou uma constituição duram o quanto duram as vontades e os interesses das sociedades que os aprovaram.

A Lei da Anistia de 1979 já não é uma virgem há muito tempo. Foi revista em 1985, em 1988 e novamente em 2002. Trata-se de saber se uma nova revisão poderá ser construtiva e positiva. Estou convencido que sim, por quatro razões.

Em primeiro lugar, por suscitar uma discussão ainda insuficiente sobre a ditadura civil-militar, um regime que governou o país durante longos 15 anos, entre 1964 e 1979. Depois que se restaurou a democracia, a partir do começo dos anos 1980, o debate tem brotado, mas de curta duração e pouco intenso. Considerando-se a importância histórica da ditadura, não é razoável que predominem a respeito o silêncio e a ignorância.

Não é bom para a razão, para a alma ou para o coração.

Em segundo lugar, por trazer à tona uma discussão crucial: a tortura como política de Estado. Inquietante: o Brasil, em menos de 50 anos, teve dois governos que adotaram a tortura como política de Estado por longos períodos. O Estado Novo, entre 1937 e 1945. Depois, a ditadura, que se instaurou em 1964 e durou até 1979. Ou seja, em pouco mais de 40 anos, a sociedade brasileira teve, por 23 anos, governos que adotaram a tortura como política de Estado.

Insisto: a tortura foi aplicada como política de Estado. Não se realizou nos porões, esta é uma metáfora imprópria.

Realizou-se nas salas de visita ou nas salas de jantar. Ninguém pode ousar dizer que a ignorava. Além disso, como já diziam os romanos, a ignorância não é argumento. Praticaram-se neste país a tortura e o assassinato seletivo. Não foi um excesso de boçais, embora fossem boçais os torturadores.

Mas a ordem vinha de cima, havia uma cadeia de comando, desde o presidente da República, passando pelos ministros civis e militares, alcançando os comandos de tropas, envolvendo as instituições. Todos sabiam. E mandavam fazer. Alguns podiam sentir ânsias de vômitos.

É irrelevante, o fato é que participavam.

Responsáveis. Não é preciso que a sociedade conheça isto? Em terceiro lugar, porque o debate possa ensejar o julgamento dos torturadores.

A ideia de que, numa eventual revisão da Lei da Anistia, seria necessário julgar os dois lados só pode ser fruto da desinformação ou do cinismo.

Porque os militantes de esquerda já foram julgados. Frequentemente sem direito de defesa. Passaram por sofrimentos inomináveis, batidos e torturados. Muitos, os mortos e os desaparecidos, nem chegaram a ser julgados. Foram condenados à morte antes do julgamento. Os que sobreviveram foram anistiados. Já os torturadores, nem o nome deles se sabe, salvo em listas informais de denúncias.

A sociedade precisa conhecê-los. Os tribunais, julgá-los, dando a eles o direito de defesa que não foi concedido aos militantes de esquerda.

Não se trata de revanchismo, pois ninguém deseja condená-los sem julgamento, ou sem ouvir sua defesa. Apenas julgá-los, porque cometeram crimes contra a Humanidade, imprescritíveis, segundo tratados que este país assinou. Depois de julgados e eventualmente condenados, caberá à sociedade anistiá-los ou não, conforme decidirem os representantes eleitos.

Finalmente, em quarto lugar, a revisão da anistia poderá ensejar também a publicação dos documentos até hoje escondidos pelas Forças Armadas e pelos seus serviços secretos. Recusá-lo não é apenas dar mostras de estreito corporativismo. É muito pior: fazendo-o, como fazem atualmente o ministro da Defesa e os ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, é dificultar uma discussão que precisa ser feita, é manter uma cumplicidade que pereniza a desonra das Forças Armadas, desonradas já pela prática da tortura nos anos 1960 e 1970. Não seria a hora de dar um basta nisto? De assumir responsabilidades institucionais? Não seria esta a única maneira de construir um futuro melhor para este país? Nossos vizinhos da América do Sul têm oferecido exemplos construtivos.

As revisões se sucedem. Ditadores e torturadores têm sido julgados.

Alguns, encarcerados. Os regimes democráticos não sofreram por isso. E não consta que Argentina, Chile e Uruguai tenham regimes democráticos mais sólidos que o do Brasil.

É certo que a democracia brasileira não está definitivamente consolidada.

Democracia é um regime por natureza instável, sempre em construção ou em desconstrução. Mas nada a torna mais instável e fraca do que o medo de encarar o próprio passado.

Sobretudo quando este medo se mistura ao ocultamento e à cumplicidade com a tortura, um crime contra a Humanidade que tempo algum prescreve. Não o digo pelos que morreram, já estão mortos. Nem pelos que sofreram. Carregarão, sem remédio, na carne e na alma, o fardo dos sofrimentos. Mas pelos que virão, para que não sofram o mesmo sofrimento, e não se humilhe a sociedade novamente, porque a tortura humilha o torturado, mas humilha sobretudo a sociedade que silencia a respeito.

DANIEL AARÃO REIS é professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense.

***

Leia também:

Soldados, sentido!

Anistia x impunidade

Rever a anistia?

Um 2010 de verdade

Inês Etienne Romeu, cobaia da tortura

Contra anistia a torturadores

13.1.10

Coração Maldito

Primeiro livro de poesia de Gustavo Bastos, meu filho.

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Coração Maldito
GUSTAVO BASTOS
Freitas Bastos Editora

BIOGRAFIA DO AUTOR
O autor Gustavo Vervloet de Medeiros Bastos nasceu no Rio de Janeiro no dia 29/12/1981. Desde os 18 anos começou a escrever poemas, muitos deles com influência do simbolismo de Rimbaud e Baudelaire. Posteriormente recebeu influências de Ferreira Gullar, Garcia Lorca e Pablo Neruda. Trabalhou no IBGE por dois anos, depois se formou em Filosofia, e hoje dá aulas de Filosofia pelo Estado do Rio de Janeiro.

BLOG DO AUTOR
poesiaeconhecimento.blogspot.com

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Maré discute Segurança Pública


Redes de Desenvolvimento da Maré, 13/01/2010:

MARÉ DISCUTE DESDOBRAMENTOS DA 1ª. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PUBLICA (1ªCONSEG)

No dia 21 de junho de 2009, a Redes da Maré e mais 22 organizações realizaram a Conferência Livre de Segurança Pública da Maré, que reuniu 184 pessoas, dessas 112 moradores locais, para discutir uma nova política de Segurança Pública para o Brasil. Entre os participantes, moradores do bairro, representantes das associações de moradores, membros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro - PMERJ, representantes de organizações da sociedade civil, pesquisadores, etc. Nesse espaço, surgiram diversas propostas (princípios e diretrizes) que foram levadas a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, que ocorreu em 2009.

A ideia de realizar a Conferência Livre, conforme proposta na metodologia da 1ª Conseg, surgiu a partir de um grupo de pessoas e instituições que há algum tempo vêm se encontrando para discutir Segurança Pública. Depois da conferência, a mobilização não parou. Continuamos acompanhando as propostas aprovadas na 1ª Conseg, e criamos o Programa Legítima Defesa: Diálogos sobre Segurança Pública na Maré, um espaço permanente de reflexão e proposição de políticas e ações de Segurança Pública com participação dos moradores e instituições da Maré, acreditando que só a partir do diálogo permanente sobre a questão conseguiremos mudanças concretas nesse campo. O Programa prevê três eixos de ação: formação, mobilização e intervenção.

No âmbito do eixo de mobilização, vamos realizar o encontro MARÉ DISCUTE DESDOBRAMENTOS DA 1ª. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PUBLICA (CONSEG). Nesse encontro, receberemos além de representantes locais e moradores, um representante, do Ministério da Justiça, para dar retorno à comunidade sobre os princípios e diretrizes aprovados na 1ª Conseg. E mais, pensar de forma coletiva ações para dar consequências práticas a esse diálogo, garantindo assim o direito à Segurança Pública para os moradores de espaços populares.

Programação:

9h – Credenciamento
9:30h – Mesa de Abertura
10:10h – Convidado do Ministério da Justiça
10:40h – Debate
11:40 – Encaminhamentos
12:40 – Encerramento das Atividades

Serviço:

MARÉ DISCUTE DESDOBRAMENTOS DA 1ª. CONFERÊNCIA NACIONAL DE SEGURANÇA PUBLICA (CONSEG)
Data: 23 de janeiro de 2010, das 9h às 13h.
Local: Centro de Artes da Maré - Rua Bittencourt Sampaio, 181 – Nova Holanda – Maré – Rio de Janeiro

http://www.redesdamare.org.br/

Contatos:

Viviane Couto
Coordenadora do Setor de Comunicação
Tel.: (21) 3104-3276/9308-5269
E-mail: viviane@redesdamare.org.br

Eliana Sousa Silva
Diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré
Tel.: 7858-6468
E-mail: eliana@redesdamare.org.br

Fernanda Gomes
Diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré
Tel.: 8303-9153
E-mail: fernanda@redesdamare.org.br

10.1.10

Soldados, sentido!

ANDREI BASTOS

Verdadeiro Forrest Gump da luta contra a ditadura militar brasileira, em especial da luta armada, estive envolvido tanto no episódio do sequestro do avião relatado no artigo de Silvio Tendler, publicado no Globo em 08/01/2009, quanto nos que alimentam o equívoco de Alfredo Sirkis de dizer, em nome dos que travaram a luta armada, no seu artigo do dia 07/01/2009, também no Globo, que “não temos nem interesse nem autoridade para reabrir essa Caixa de Pandora”. Ora, só eu conheço várias pessoas que travaram essa luta e pensam diferente, inclusive assinando o manifesto “Contra anistia a torturadores”, citado por Tendler, e, de mais a mais, interesse e autoridade para reabrir o que um medo infundado chama de “Caixa de Pandora” qualquer cidadão consciente e votante tem, a partir de 16 ou 17 anos, nossas idades na época.

Foi engraçado ver os “imbecis fardados” driblados pela mãe do Silvio, que por via das dúvidas também queimou os rolos de filmes com desenhos animados tchecos e poloneses que eu descolara nas embaixadas e emprestara a ele, chegarem a um aparelho na Rua Voluntários da Pátria para capturar um perigoso agente soviético chamado Andrei. A decepção certamente foi imensa, pois no endereço morava minha família, eu era o mais velho de seis irmãos, com 17 anos, e tinha me mandado ao saber que os nomes do meu grupo de cineclubistas tinham caído por causa do nosso companheiro sequestrador.

Assim como Silvio, eu também não tinha nada a ver com o sequestro do avião e resolvi me apresentar à Aeronáutica para enfrentar o que pudesse acontecer, pois assim evitaria que quaisquer “imbecis fardados”, ou não fardados, que tinham apenas um nome russo para caçar, acertassem no que não viram.

A barra que enfrentei foi leve, sem tortura, mas com prisão domiciliar e proibição de voltar para a escola, onde eu cursava o segundo grau e poderia me perder na subversão e levar outros jovens comigo. O coronel da Aeronáutica responsável pelo inquérito e pelo corretivo que me foi aplicado, que se concluiu com um serviço militar obrigatório, foi o primeiro soldado que me pareceu honrar a farda ao me convencer, por intermédio dos meus familiares, de que seria recomendável que eu me apresentasse a ele, pois os outros estavam caçando o nome russo e iriam atirar primeiro e perguntar depois.

Sentido!

Ironicamente, dei baixa do serviço militar promovido, com menção honrosa, e com tudo aprendido sobre manipulação de armas, do tiro ao alvo à desmontagem e limpeza. Com essas credenciais, acabei sendo um candidato natural para atuar na linha de fogo da luta armada. Alfredo Sirkis foi encarregado de me convocar, numa conversa cheia de arroubos e bravatas pelas ruas de Botafogo, e eu, com toda a dificuldade que a imaturidade e o machismo juvenis poderiam criar, escolhi ficar na retaguarda, pois achava a correlação de forças absolutamente desfavorável e acatara o argumento do meu pai – economista, jornalista e antigo militante do Partidão – de que a boa fase econômica afastava nossos possíveis seguidores.

Em 1971, por conta do apoio que dava a meus amigos guerrilheiros, fui preso novamente, dessa vez numa barra pesada. Levado no meio da noite para o DOI-CODI da Barão de Mesquita, outra vez eu parecia peixe grande por causa das amizades. Talvez para mostrar serviço aos empresários patrocinadores, certa tarde me tiraram da cela, algemado e encapuzado obviamente. Estranhei passar direto pela sala da porrada e não descer para a geladeira e, depois de subir outros lances de escadas, estranhei mais ainda ao me ver num escritório atulhado de móveis velhos de verniz escuro, máquinas de escrever antigas e militares uniformizados. Mandaram que eu sentasse diante da mesa de um deles e o sujeito começou a fazer perguntas burocráticas, como nome completo, endereço etc. Fez algumas outras perguntas sobre militância e ligações com organizações guerrilheiras e me deu várias folhas de papel para assinar. Sem chance de ler tudo, consegui pescar alguma coisa e vi que assinava confissões de participação em diversas ações armadas. O que fazer? Melhor assinar e ir para um tribunal, mesmo fajuto, do que entrar para a lista de desaparecidos.

Algum tempo depois fui transferido para a PE da Vila Militar, em Realengo, onde continuei na pior. Outra tarde, outra saída da cela, outra vez diante de uma mesa de trabalho de quartel. Depois de esperar que eu terminasse a refeição de oficial que me servira, o coronel de aparência durona pousou a mão sobre uma pilha de papéis que estava sobre a mesa, disse que era meu depoimento no DOI-CODI, perguntou se eu sabia o que ele pensava de tal documento e, em seguida, jogou tudo na lata de lixo. Depois disso e de ouvir o militar dizer que era oficial do Exército Brasileiro e não compactuava com o que acontecia na Barão de Mesquita, fui levado para uma cela coletiva e solto uns 15 ou 20 dias depois. Ao desprezar a farsa do meu depoimento e se apresentar como militar a serviço do país e não como um dos seres abjetos dos porões da repressão, este coronel me pareceu outro soldado a honrar a farda que vestia.

Sentido!

Além dos exemplos acima, de militares envolvidos diretamente com a repressão política, antes, durante e depois do período de exceção, até os nossos dias, são incontáveis os casos de soldados que honram suas fardas, certamente a maioria, e a eles presto continência. Acrescentando-se a isso o fato de que inúmeros militantes da luta contra a ditadura, armada ou não, também eram militares, como pode a punição a torturadores ser antimilitarista? E que me desculpem os olhinhos arregalados do ministro da Defesa, que deixam passar algo de patético, com ou sem fantasia de Indiana Jones, mas os militares brasileiros que honram suas fardas deveriam ser os primeiros a tirar tais crimes e criminosos das latas de lixo dos quartéis e colocá-los no banco dos réus e no lixo a ser conhecido pela história.

Soldados, sentido!

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O Globo, Opinião, 08/01/2010:

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SILVIO TENDLER

Ao Ministro da Defesa
Exmo. Dr. Nelson Jobim

Invado sua caixa de mensagem pedindo atenção para um tema que trata do futuro, não do passado. O senhor me conhece pessoalmente e lembra-se de que, quando fui secretário de Cultura de Brasília, em 1996, o senhor era ministro da Justiça e instituiu e deu no Festival de Cinema de Brasília um prêmio para o filme que melhor abordasse a questão dos direitos humanos. Era uma preocupação comum a nossa.

Por que me dirijo agora ao senhor? Um punhado de cidadãos — hoje somos mais de dez mil — assinamos um manifesto afirmando que os envolvidos em crimes de tortura em nome do Estado brasileiro devem ser julgados e punidos por seus atos, contrários aos mais elementares sentimentos da nacionalidade. Agimos em nome da intransigente defesa dos direitos humanos.

O senhor, ministro da Defesa, homem comprometido com a ordem democrática, eminente advogado constitucionalista, um dos redatores e subscritores da Constituição de 1988, hoje em ação concertada com os comandantes das Forças Armadas, condena a iniciativa de punir torturadores.

Este gesto, na prática, resulta em dar proteção a bandidos que desonraram a farda que vestiam ao torturar, estuprar, roubar, enriquecer ilicitamente sempre agindo em nome das instituições que juraram defender. É incompreensível que o nosso futuro democrático seja posto em risco para acobertar crimes praticados por bandidos, o que reforça a sensação de impunidade.

O que está em juízo não é o julgamento das Forças Armadas, como afirmam os que as querem arrastar para o lodo moral que mergulharam.

Os chefes militares podem ficar tranquilos porque seus antecessores não irão para a cadeia pelos crimes que cometeram.

O senhor deve estar se perguntando o porquê do meu empenho nesta causa. Vou lhe contar. Despontei pra a vida adulta sob a ditadura militar.

Em 1964, tinha 14 anos e cresci sob o signo do medo. Sou de uma família de judeus liberais, meu pai advogado e minha mãe médica. Invoco as raízes judaicas porque meus pais eram muito marcados pelo Holocausto, pelos crimes nazistas cometidos contra a Humanidade. Tínhamos muito medo das soluções autoritárias.

Em 1969, um companheiro de cineclubismo sequestrou um avião para Cuba. Não tive nada a ver com isso.

Meu crime foi ser amigo — sim, meu crime foi o de ser amigo de um sequestrador.

Quase fui preso. Escapei dessa situação pela coragem pessoal de minha mãe, que driblou os imbecis fardados que foram me prender e consegui fugir de casa nas barbas da turma do Ministério da Aeronáutica.

Tive também a ajuda do coronel-aviador Afrânio Aguiar, que se empenhou até a medula para que eu não fosse preso e massacrado na Aeronáutica.

Em 1970 fui viver no Chile por livre e espontânea vontade. Em janeiro de 1971, do Chile, mandei uma carta para minha mãe. O gesto lhe custou prisão e maus-tratos. Na carta pedia a minha mãe que me enviasse livros e minha máquina de escrever. Militares do DOI-Codi arrombaram minha casa, à procura de uma metralhadora (assim entenderam o que seria “máquina de escrever”). Minha mãe foi levada para o quartel da PE na Barão de Mesquita, onde foi humilhada e um dos “patriotas” que a conduziu assumiu de forma permanente a guarda do relógio que entrou com ela na PE e não voltou para casa.

Amigos ocultos numa rede de gente decente ajudaram a tirar minha mãe daquela filial verde-oliva do inferno.

Sim, ministro, havia muita gente decente nas Forças Armadas. O que leva chefes militares e o ministro da Defesa a se pronunciarem contra a apuração de crimes? Tortura, estupro, morte, muitas vezes seguidos de roubo, são atos políticos passíveis de anistia? Os chefes militares pronunciam-se a favor do pagamento de reparações às vítimas do arbítrio como um ato indenizatório.

No meu caso, ministro, posso lhe dizer que não há dinheiro que feche essa conta. Não pedi anistia nem indenização porque acho que não sou merecedor. A reparação que peço é a punição exemplar dos torturadores da minha mãe. O senhor há de concordar que não estou pedindo muito nem nada despropositado.

Justiça, peço apenas justiça.

Bom 2010 para o senhor.

Atenciosamente,

SILVIO TENDLER é cineasta.

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O Globo, Opinião, 07/01/2010:

Rever a anistia?

ALFREDO SIRKIS

Sou contrário à revisão da Lei de Anistia de 1979. Seria reviver uma guerra que terminou há trinta anos, criar um elemento de discórdia na relação com as Forças Armadas, trazendo polarizações do passado para complicarem o presente, que já tem suas próprias e suficientes complicações. Na época da anistia, a prioridade era fazer as Forças Armadas aceitarem a democracia e o poder civil, renunciarem ao exercício arbitrário do poder e não interferirem mais na vida política. Isso foi amplamente conseguido. Hoje, há outros desafios, de certo modo mais complexos: uma nova doutrina de defesa nacional, que incorpore a questão climática, que é a maior ameaça que paira sobre nós, a médio prazo. Envolver as Forças Armadas na defesa dos grandes ecossistemas brasileiros ameaçados –inclusive como exercício de nossa soberania sobre eles– no restabelecimento do seu próprio monopólio sobre o armamento de guerra, perdido para o narcovarejo e na proteção das fronteiras de eventuais desbordamentos em países vizinhos.

O paradigma no qual se discutem as questões de defesa e de segurança do Brasil, hoje, nada têm a ver com aquele da “guerra fria”, de trinta anos atrás. Sem dúvida, as torturas, execuções e desaparecimentos e a opressão do regime militar, sobretudo no período de 68 a 78, foram abjetas, deviam ser amplamente conhecidas e já o são. Fazem parte da nossa história. Não penso que sejam prioridades de nossa pauta política, jurídica ou mesmo jornalística atual, a não ser que desejemos um futuro pautado pelo passado.

As torturas e violações de direitos humanos que me preocupam são as do presente. A tortura continua a ser praticada –como já era antes do regime militar– como técnica de investigação policial. Também, é amplamente utilizada pelos traficantes que desafiam o estado de direito e exercem sua ditadura militar local sobre comunidades que dominam. É estranho, convenhamos, querer julgar, hoje, algum militar septuagenário ou sexagenário por torturas no DOI-CODI, há trinta e cinco ou quartenta anos, num sistema judicial que já libertou, por “progressão de pena” quase todos os bandidos que, há sete, anos torturam, esquartejaram e torraram no “forno microondas” o jornalista Tim Lopes.

Devemos nos preocupar e agir sobre as ameaças do presente, que são muitas, não reviver guerras passadas. Aquela foi militarmente vencida por eles e, depois, politicamente, por nós. Aqueles que travamos a luta armada contra a ditadura –agravando-a– e que cometemos erros políticos graves, entre os quais o de seguir uma ilusão ideológica que poderia ter levado a uma ditadura de outro tipo, não temos nem interesse nem autoridade para reabrir essa Caixa de Pandora. Sei que falo na condição de quem, por uma questão de sorte, não viveu a experiência terrível da tortura, nem teve um familiar “desaparecido”. As perdas que tive foram de companheiros e amigos mortos na luta que me repugnaria, hoje, reduzir ao papel de “vítimas”. De qualquer jeito penso que não faz sentido, trinta anos depois da anistia tentar revê-la. Percebo nisso, motivações políticas menores, inconsequêntes. Isso não deve prejudicar a investigação e a pesquisa histórica que, inclusive, não seriam beneficiadas pela crispação no relacionamento com as instituições militares.

Há uma questão, reavivada pela recentes revelações sobre o assassinado do ex-presidente chileno Eduardo Frei, que precisaria ser esclarecida definitivamente: as mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e Jango Goulart e, do ex-governador Carlos Lacerda. Esclarecer definitivamente quaisquer dúvidas sobre o acidente e enfermidades cardíacas que as causaram num período curto de tempo. Mas, isso nada tem a ver com uma revisão da Lei de Anistia, que, no que pesem suas imperfeições e desequilíbrios, hoje faz parte de nossa história.

ALFREDO SIRKIS é vereador e presidente do PV/RJ

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5.1.10

Um 2010 de verdade

Zero Hora, 03/01/2010:

ARTIGOS
Um 2010 de verdade, por Marcos Rolim*

É preciso cuidado com as palavras, porque, quando as empregamos, atribuímos significados às coisas e, assim, começamos a valorá-las. Os brasileiros deveriam se sentir ofendidos quando uma matéria jornalística chama os atos de tortura e as execuções patrocinadas pela ditadura militar de “excessos”. O primeiro problema aqui é que a maioria dos leitores não se sentirá incomodada com a escolha desta palavra. É possível que os próprios jornalistas que ainda a usam não se deem conta de que esta escolha não é apenas infeliz, mas que ela já insinua a moldura na qual o horror se desmancha no ar. Uma autoridade se excede quando, por exemplo, aplica a força legítima além do necessário para a contenção de ameaça iminente. O excesso, assim, guarda relação com a aplicação desproporcional da força. Prender alguém ilegalmente, conduzi-lo a uma câmara de tortura, submetê-lo durante semanas infinitas ao pau de arara, ao choque elétrico, aos espancamentos, arrancar suas unhas, amassar seus testículos; por fim, matá-lo e, depois, desaparecer com o cadáver não é “excesso”, é crime contra a humanidade, vergonha e covardia.

A maioria dos brasileiros não se importa com o que ocorreu durante a ditadura militar. As gerações mais novas talvez nem saibam o que é uma ditadura e, ainda hoje, há quem manifeste “saudades” do período; o que não é apenas triste, mas desesperador. Trata-se de resultado previsível, entretanto, pois a verdade sobre o que ocorreu ainda não foi contada.

Temos vários livros importantes sobre o tema, milhares de depoimentos, documentários e filmes, mas não temos uma verdade jurídica. Vale dizer: cada um conta o que quer e todos os relatos seguem sendo considerados apenas “versões”. Como regra, os textos falam aos convertidos e assim seguimos em Pindorama por sobre a maior das “pizzas”: aquela montada pelos que repetem que a Anistia “sepultou os acontecimentos”. Anistia é perdão, mas perdoar não é o mesmo que impedir o acesso à verdade. Já disse que não vejo sentido na pretensão de punir os responsáveis pelos crimes praticados há mais de 30 anos. Mas tenho como revoltante seguir convivendo com o silêncio oficial, com este pacto de mediocridade firmado pelos políticos e os comandantes militares; um pacto estabelecido – como convém – longe do escrutínio público, exatamente para que ninguém soubesse, para que a verdade jamais viesse à tona.

A proposta incluída no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-III) de formação de uma “Comissão de Verdade” para investigar e reconstruir episódios de violação durante o período ditatorial é uma iniciativa elementar, óbvia até, que deveria ter sido tomada há muitos anos. Ela se situa acima de qualquer ideologia e deve implicar o levantamento de todas as violações cometidas, não importa por quem, nem em nome de quê. Como uma das pessoas que auxiliou a redigir o Programa, afirmo que ela não tem a ver com punição, tem a ver com a história do Brasil e com a chance de afirmar a dignidade ali onde, até agora, só existe dor e humilhação. As vozes que se erguem contra esta iniciativa não são apenas as vozes de um passado tenebroso que, infelizmente, sequer é passado. São as vozes de um país que oscila entre a civilização e a barbárie, entre o direito e o privilégio, entre o respeito e o preconceito, entre a ordem democrática e a ordem das baionetas… e que prefere, sobretudo, a mentira.

marcos@rolim.com.br

* Jornalista

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4.1.10

Inês Etienne Romeu, cobaia da tortura

Em Dia Com a Cidadania, 04/01/2009:

INÊS ETIENNE ROMEU FICOU CEM DIAS COMO COBAIA DE TORTURA. DÁ PRA ACEITAR ISSO COMO CRIME POLÍTICO?

Por Marcia de Almeida

2009 terminou com uma crise política que pode tomar grandes proporções, com a reação dos 3 ministros das Forças Armadas e do intrépido Ministro da Defesa, Nelson Jobim, ao novo Programa Nacional de Direitos Humanos, capitaneado pelo Ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannucchi, e sancionado por Lula, semana passada.

Os quatro entregaram suas cartas de demissão ao presidente, dia 22, véspera de Natal, e Lula veio com a gracinha de dizer que assinou sem ler e que vai rever o artigo da discórdia, que cria a Comissão da Verdade, para investigar crimes de tortura cometidos durante a ditadura militar.

Os militares querem que estendam a investigação aos que participaram da luta armada. Ocorre, e até agora isso não veio sequer à baila, que a esquerda, pró-luta armada ou não, pagou o preço torpe imposto pela repressão: a tortura, o estupro, os desaparecimentos, esquartejamentos, aniquilamento psicológico, exílio, longos anos na prisão, suicídios.

A tortura é crime lesa-humanidade, crime hediondo, não pode ser considerada excesso, simplesmente.

Criar a Comissão da Verdade é a favor das Forças Armadas, que são formadas por oficiais militares das três armas, pessoas dedicadas à pátria, ao serviço público, com sacrifíos pessoais e das suas famílias. Não podem ser misturados com meia dúia, uma dúzia, duas dúias de pessoas que prendiam opositoras políticas, despiam-nas e praticavam torturas sexuais, que ocultavam cadáveres, tenho certeza de que o Ministro Jobim sabe disso. (Ministro Vannucchi, O Globo, 2 de janeiro de 2010, página 4)

Claro que sabe.

Como anistiar, por exemplo, os militares e civis que durante 100 dias torturaram e fizeram experiências de tortura com a brasileira Inês Etienne Romeu, homenageada em Brasília, antes do Natal (cerimônia que fez Dilma Durona chorar) na famosa Casa da Morte, em Petrópolis (casa clandestina mantida pelo Exército, da qual Inês foi a única sobrevivente, onde presos eram dizimados sistematicamente)? Inês saiu de lá para ser morta, pesando 32 quilos. Depois de um campanha internacional de denúncia da sua prisão clandestina, foi solta na casa de uma irmã, em Belo Horizonte, instada a se apresentar em um local público dali a dois dias, para ser morta como tendo reagido. Foi salva pela ousadia de uma irmã, que conseguiu oficializar sua prisão, onde cumpriu mais de oito anos de cadeia, saindo com a anistia.

Foi ela quem denunciou/confirmou que Cabo Anselmo era mesmo agente da repressão.

Me contou, em uma entrevista que fizemos para o Pasquim (Lilian Newlands, Elias Fajardo, Lucia Romeu, sua irmã, e eu), no presídio de Bangu, que um dos torturadores conversava com ela deitada numa cama, escalando o umbral da porta, o tempo todo.

E, incrível, todos saíam daquele laboratório de horrores e iam para suas casas, jantar com suas mulheres e seus filhos, como se viessem de um trabalho comum, em um escritório.

Dá pra considerar isso “crime político”?

(Saiba mais)

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1.1.10

Um dia depois do outro

ANDREI BASTOS

Pensei em escrever estas mal traçadas linhas antes do réveillon, mas resolvi deixar para os primeiros momentos do ano novo, na expectativa de ver comprovado um dos aspectos do que assunto aqui, que é a efemeridade do tempo evidenciada na passagem de ano. Mesmo considerando minha condição de aprendiz limitado, não mais que mero curioso, tento pegar carona nas idéias de relatividade do tempo, do disléxico Albert Einstein a Stephen Hawking, que nasceu 300 anos depois da morte do cego Galileu Galilei e tem esclerose lateral amiotrófica. Três pessoas com deficiência, vejam só!

Fiquei impressionado com a afirmação de Hawking de que só perceberemos o apagamento do Sol vários minutos depois, se tal acontecer, e comecei a construir caraminholas sobre nossa percepção do tempo no momento em que festejamos a chegada de um novo ano.

Muitos sóis se apagam no universo e nem sabemos, apenas porque seus destinos não nos afetam. Muitos talentos são excluídos da vida pela indiferença gerada no preconceito e na discriminação, e nem sabemos. O hiato entre o apagar da luz de um sol ou da inteligência e sensibilidade de um ser humano com deficiência e o momento em que o percebemos pode ser medido em minutos, anos-luz ou graus de incivilidade. São percepções diferentes que podemos ter do tempo.

Um ano tem doze meses, 365 dias, 8.760 horas, 525.600 minutos. Em cada um desses períodos acontecem coisas boas e ruins, em muitos desses minutos ocorrem desfechos de impasses. No entanto, podemos sintetizar essas noções de medidas para apenas o último dia do ano que termina, e que o sintetiza, e entendermos que a passagem de ano se dá, simplesmente, de um dia para o outro.

Pensando assim, começamos um novo dia em nossas vidas e nele queremos políticas públicas que efetivem a inclusão integralmente, ações de Estado que levem essa inclusão para todos, nos mais distantes rincões, e ver pelas costas governantes e legisladores que não trabalham para o bem comum ou que manipulam as carências populares em proveito próprio.

O dia que começa é de eleições e precisamos ficar atentos para não perdermos nada do que já conquistamos, assim como para avançarmos nessas conquistas não desperdiçando nossos votos e lutando por uma democracia participativa. Mais do que não precisarmos de nenhuma tutela excepcional, como o famigerado “Estatuto do Coitadinho”, somos plenamente capazes de cerrar fileiras com todos os cidadãos que desejam acabar com a política podre e corrupta praticada em nosso país.

A luta que travamos a vida inteira por inclusão e cidadania é suficientemente rica para fortalecer e garantir nossa autonomia e para consolidar a idéia de “nada sobre nós sem nós”. Nosso sol não se apagará e o tempo que precisamos é o nosso tempo.

Da mesma forma que na vida e no universo, nosso tempo também é relativo. Cada criança com deficiência tem seu próprio tempo para desenvolver plenamente seu potencial, cada adulto com deficiência tem seu próprio tempo para exercer plenamente sua cidadania, e para os governantes que não fazem com que nossas leis sejam cumpridas e abreviem esses tempos, nada como um dia depois do outro.