26.12.17

Vontade política


O Globo, Opinião, 26/12/2017:

Vontade política

ANDREI BASTOS

Há algum tempo, fui convocado para um debate sobre a nova Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) carioca. Trata-se da reencarnação de uma CPA, que nem “para inglês ver” serviu, promovida pelo atual prefeito do Rio.

Uma outra “reencarnação” vinha sendo defendida pelo também carioca Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comdef-Rio), que no seu documento Políticas Públicas Municipais para as Pessoas com Deficiência, entregue ao prefeito, apresentava como primeira ação prioritária dar mais poder à comissão para liberar, ou não, os alvarás e habite-se baseados no atendimento às exigências de acessibilidade.

Talvez pelo desconhecimento de que a acessibilidade beneficia a todos, e não apenas a quem tem deficiências, e que, por isso, representa um grande avanço civilizatório, a atual gestão municipal não aplicou inteiramente o que o Comdef-Rio apresentou à CPA hoje reencarnada, que não tem caráter deliberativo e autorizativo e está muito aquém das necessidades de nossa cidade, tão desprovida de políticas públicas de acessibilidade, como ficou evidente na última reunião da CPA de que participei, agora em dezembro.

Pois bem, quando fiquei sabendo que no debate para o qual fui convocado seria apresentado o acessível mundo de Silvana Cambiaghi na cidade de São Paulo, que, apesar de ainda ter problemas, está mil anos-luz à frente do nosso indigente município do Rio de Janeiro, pensei em me apresentar fazendo-lhe um contraponto com as nossas mazelas, fotografando meu trajeto, em cadeira de rodas, entre a Zona Sul e o Centro do Rio de Janeiro usando o transporte público.

Desisti. Não tenho tanta capacidade física para tão dura prova de obstáculos.

Mas não foi difícil estabelecer um contraponto a Silvana Cambiaghi, pois, além das excelentes imagens comprovando as conquistas de acessibilidade urbana que apresentou, ela ressaltou diversas vezes que o mais importante era a vontade política de fazer acontecer as coisas certas, contando que a CPA de São Paulo já começou com esta vontade política, na época manifestada, justiça seja feita, pelo prefeito Paulo Maluf, que deu plenos poderes à Comissão.

Aqui, na Cidade Maravilhosa, só existiu a vontade das pessoas com deficiência que, tempos atrás, saíram das ruas, onde vendiam doces nos sinais de trânsito, e conseguiram organizar o primeiro conselho municipal de pessoas com deficiência do Brasil, exclusivamente com a sociedade civil, por orientação de Jó Rezende, que se notabilizou por organizar associações de moradores na gestão do prefeito Saturnino Braga.

Depois de algum tempo, o conselho da época convocou o poder público a também participar, na esperança de que ele se tornasse o braço executor. Muito mais deficiente do que qualquer deficiência, a falta de vontade política impediu qualquer avanço e o conselho passou a ser apenas um apêndice deste mesmo poder público, o que, espero, não aconteça com esta CPA reencarnada.

Andrei Bastos é jornalista e integrante do Comdef-Rio

Também no Globo Online.

Na noite de Natal, eu e meus três filhos


#eusoualex


20.12.17

A Guerra do Brasil


19.12.17

As palavras são nossas armas

As palavras são nossas armas
MAUSY SCHOMAKER E ANDREI BASTOS
Quando nosso amado filho, Alex Schomaker Bastos, de 24 anos, morreu pelas mãos de assassinos que queriam levar seu celular, nós também morremos, vazios e massacrados pela dor incomensurável e que jamais terá alívio.
Morremos junto com nosso filho. E morremos não só pelas mãos dos assassinos. Morremos também pela barbárie instalada em nossa cidade. A morte do Alex e de tantos outros jovens e crianças depois dele – incluindo crianças mortas dentro da mãe – substantivam a dimensão dessa barbárie.
Como pode nosso filho ser arrancado da vida de maneira tão cruel? Como viver sem compartilhar seus sonhos de estudar doenças raras, de se tornar um pesquisador e seguir a carreira de professor? Morte de filho é sinônimo de dor insana e eterna. Como sobreviver a isso? Porque viver não é possível.
Vingança? Pensamos sim. E muito. Mas é contraditório: Alex, como biólogo, estudava a vida, seu sonho era melhorar a vida e ensinar pela vida afora. Também é contraditório para nós porque sempre ensinamos que devemos lutar por nossos sonhos. E não podemos nos igualar a seres inumanos que atiram seis vezes num jovem caído no chão apenas para ficar com um celular.
Não existe humanidade em quem mata por um celular.
Não existe humanidade na incúria genocida de governantes corruptos que roubam dinheiro público, com uma voracidade sem limites, e deixam o Rio de Janeiro chegar a um ponto de abandono e desprezo pelos cidadãos como nunca se viu.
Mais que vingar, queremos honrar a memória de nosso filho e precisamos ter certeza de que fazemos o possível e o impossível, reagindo contra a violência que já é considerada normal em nossa cidade.
E para isso usamos as palavras. Acreditamos que essa é a maneira que temos para sobreviver à dor e ao luto.
Reagir e não deixar que a tristeza nos paralise. Unir nossa voz e nossas palavras àqueles que querem um Rio de Janeiro livre e lutam pela cidadania. Reagir.
As palavras que educam, proferidas todos os dias nas escolas, são as palavras e as vozes que buscamos para dar continuidade e realizar o sonho de Alex: “Quero me tornar um professor melhor, uma pessoa melhor. Gosto de ver o aluno entrar de um jeito e sair de outro”.
Para nós, a educação é a maneira mais eficaz de combater a barbárie.
“Os acusados mostraram evidente e completo desprezo pela vida humana”... As palavras da sentença proferida pelo juiz quando condenou os assassinos do Alex serviram para nos dar a certeza de que devíamos reagir e lutar pelo que nosso filho tanto amava: a vida. Reagir e lutar contra o desprezo pela vida.
Não perdoaremos jamais os assassinos do nosso filho. Não perdoaremos jamais os governantes que, por incúria, dolo, descaso e desprezo pelos cidadãos deixam ruas e praças entregues à escuridão do crime. E não falamos aqui da polícia, tão desprezada e humilhada como os demais cidadãos e um dos reflexos do menosprezo dos políticos por todos nós.
Não deixar o nome de Alex Schomaker Bastos ser esquecido é honrar nosso filho e é honrar, e não deixar esquecer, todos os jovens que morreram de forma violenta e estúpida no Rio de Janeiro.
Mesmo vivendo a condenação perpétua da tristeza, não queremos nos separar da palavra esperança. Queremos ter “esperança na esperança” de que, em nossa cidade, outros pais e outras mães não viverão a dor que vivemos.
Mausy Schomaker e Andrei Bastos são pais de Alex Schomaker Bastos, jovem biólogo assassinado por assaltantes em frente à UFRJ, em Botafogo.
Fonte: O Globo Online, 19/12/2017