4.6.17

Cidadã Luciana

ANDREI BASTOS

Todo dia ela faz tudo sempre igual. Às quatro horas da manhã, abre os olhos para o dia num movimento rápido como um susto, sem estar assustada. É apenas o jeito, tranquilo, de quem abre os olhos como duas janelas para um mundo muito maior do que aquele que enxergamos normalmente, pois o imenso mundo de Luciana começa logo diante de seus olhos e não depois do alcance de seus braços e pernas.

Depois de mover o olhar para um lado e outro, tomando ciência de que tudo está no devido lugar, que as pessoas que a ajudam estão com ela, que os equipamentos que a mantêm respirando estão funcionando perfeitamente, ela sorri para quem está à sua frente.

Começam, então, os cuidados de higiene, alimentação, vestimenta e, indispensavelmente, maquiagem. Cuidadosamente, é penteado o cabelo, aplicado o pó facial e o batom vermelho vivo como a vida que anima Luciana. Este ritual diário dura no mínimo três horas e, só depois de cada detalhe atendido, com a cidadã Luciana já acomodada em sua cadeira de rodas de alta tecnologia, ela é levada ao carro adaptado que a deixará no trabalho.

Apesar de suas próprias e severas limitações, a perseverança e fé de Luciana a tem levado pelos caminhos que escolheu. Mas, como se não bastasse, a sociedade, com falta de acessibilidade e com transporte público inadequado, impõe a ela mais limitações, dessa vez com o preconceito e a discriminação.

Ao decidir estudar enfermagem, Luciana revelou seu desejo de ajudar as outras pessoas nos seus momentos de fragilidade e doença. Ao ficar impossibilitada de fazer esse trabalho, escolheu como o primeiro caminho estudar e se preparar para Serviço Social. Bem-sucedida nessa etapa, sua vocação a levou naturalmente a vislumbrar na política possibilidades maiores de realização. Não obteve sucesso imediato, mas não desistiu e continuou a caminhar na mesma direção.

Independentemente da política partidária, Luciana se integrou a grupos da sociedade civil que trabalham na defesa de direitos das pessoas com deficiência, acrescentando um profundo conhecimento de outras realidades, e dificuldades, diferentes das suas. Enquanto atendia ao que seria unicamente uma vocação, ela dava início à sua conscientização e exercício de cidadania. Luciana descobriu o mundo dos cegos, dos surdos, dos paralisados cerebrais, da síndrome de Down.

Duas vezes por mês Luciana participou das reuniões de um grupo que se dedica às políticas públicas municipais referentes às pessoas com deficiência como ela. Sua tetraplegia não a impede de, além de viver uma existência compartilhada com familiares e amigos, lutar pelos direitos de seus pares e das pessoas em geral, exercendo, assim, plenamente, sua cidadania.

O grupo de que Luciana Novaes participou é o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Rio de Janeiro (Comdef-Rio), que se orgulha de ter contado com ela entre seus membros por sua luta pela vida e por ser a primeira pessoa com deficiência a se eleger para a Câmara Municipal.

Andrei Bastos é jornalista e membro do Comdef-Rio

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