29.9.12

Parabéns para nós!


Folha ZN, 29/09/2012:

Cidadania e Inclusão Social
ANDREI BASTOS

Parabéns para nós!

NÓS – EDITORES, REPÓRTERES, COLUNISTAS E, PARTICULARMENTE, LEITORES DA FOLHA ZN – estamos de parabéns pelo nosso primeiro aniversário. Paradoxalmente, numa época em que até os grandes jornais se encaminham para a internet, ou mesmo se resumem a ela, a ideia deste nosso jornal impresso é um sucesso. Um sucesso que se explica pela reunião dos conceitos de jornalismo cidadão, expressados nas suas reportagens e artigos, com a vivência do dia a dia dos leitores nas ruas, nas esquinas, nos bares e nos lares, criando-se uma relação muito próxima entre nós ao se folhear nossas páginas e se passar adiante suas histórias de uma convivência parceira, sentida na palma da mão.

Parabéns para o STF!
PARA QUEM NÃO ACREDITAVA QUE JULGARIAM O MENSALÃO, os juízes do Supremo Tribunal Federal, a despeito de pressões políticas poderosas, afirmam os valores mais preciosos da cidadania com votos que expressam o sentido profundo da democracia, sem partidarismos e fortalecendo seus pontos de vista individuais. Fica claro que ali não tem “vaquinha de presépio” e a justiça será feita, doa a quem doer, seja PT ou PSDB. Esse procedimento logo se refletirá na sociedade, se espalhando e estabelecendo parâmetros novos e saudáveis de intolerância da corrupção.

Parabéns para os eleitores!
CHURCHILL, O PRIMEIRO-MINISTRO INGLÊS DO TEMPO DA II GUERRA, disse: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. A ZN viu seus eleitores exercerem o sagrado direito (e dever) de eleger seus representantes para a Câmara Municipal e para a Prefeitura. O tempo dirá se as escolhas foram boas e ensinará a se escolher cada vez melhor.

ANDREI BASTOS é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
Blog: www.andreibastos.com.br/blog – Email: contato@andreibastos.com.br

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28.9.12

Corazón nuevo

Corazón nuevo

Federico García Lorca
Junio de 1918 (Granada)

Mi corazón, como una sierpe,
se ha desprendido de su piel,
y aquí la miro entre mis dedos
llena de heridas y de miel.

Los pensamientos que anidaron
en tus arrugas, dónde están?
Dónde las rosas que aromaron
a Jesucristo y a Satán?

Pobre envoltura que ha oprimido
a mi fantástico lucero!
Gris pergamino dolorido
de lo que quise y ya no quiero.

Yo veo en ti fetos de ciencias,
momias de versos y esqueletos
de mis antiguas inocencias
y mis románticos secretos.

Te colgaré sobre los muros
de mi museo sentimental,
junto a los gélidos y oscuros
lirios durmientes de mi mal?

O te pondré sobre los pinos
- libro doliente de mi amor -
para que sepas de los trinos
que da a la aurora el ruiseñor?

“o jornal das DIRETAS”

Capa do jornal publicado em 17 de fevereiro de 1984 pela minha editora ASB. Editores: Andrei Bastos, João Sant’Anna, Luís Augusto Gollo, Heloísa Villela, Custódio Coimbra, N. Kozak.

22.9.12

Dados consistentes

O Globo, Opinião, 22/09/2012:

Dados consistentes

ANDREA BORGES

O IBGE divulgou, em junho último, os resultados do Censo Demográfico 2010 sobre pessoas com deficiência. De acordo com esses resultados, 23,9% da população brasileira declararam ter alguma das deficiências investigadas pelo IBGE, para todos os graus de severidade, correspondendo a 45.606.048 pessoas.

É importante lembrar que o censo demográfico é respondido por autodeclaração, ou seja, o entrevistado escolhe a resposta que considera melhor em relação às perguntas do questionário. Da mesma forma, em relação ao tema pessoas com deficiência, o entrevistado respondeu às perguntas sobre deficiência visual, auditiva, motora e mental ou intelectual de acordo com sua própria percepção da limitação que essas deficiências provocavam , classificadas de acordo com o grau de severidade com o qual essa limitação foi percebida.

Outro ponto importante é que a redação das perguntas obedeceu a um conjunto de perguntas propostas pelo Grupo de Washington sobre Estatísticas das Pessoas com Deficiência, criado pela ONU, cujo objetivo principal é padronizar o levantamento das estatísticas de pessoas com deficiência, tanto em censos de população quanto em outras pesquisas domiciliares. A consistência e o entendimento dessas perguntas pelo entrevistado foram avaliadas pelo IBGE através de testes, estudos e discussões, em nível nacional e internacional, com instituições como a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) e a Organização Mundial de Saúde, o que reafirma o compromisso do IBGE com a qualidade da informação produzida.

Quando se afirma que 23,9% da população brasileira têm alguma das deficiências investigadas, esse percentual representa todas as deficiências investigadas, em todos os seus graus de severidade. Quando se considera apenas a deficiência severa, o percentual correspondente foi de 6,7%. Somente 0,7% da população respondeu não conseguir de modo algum enxergar, ouvir ou se locomover e 1,4% respondeu ter deficiência mental ou intelectual. Os dados referentes à frequência escolar, alfabetização e trabalho das pessoas com deficiência englobaram tanto as pessoas com deficiências leves quanto aquelas com deficiências severas. Para fins de políticas públicas, embora a população com deficiências severas seja o principal alvo, não se pode negligenciar aquela parcela da população com deficiência leve, que pode ser corrigida com medidas mais imediatas, como assistência oftalmológica ou acesso a aparelhos auditivos e próteses.

Por fim, o IBGE celebra os questionamentos feitos pela sociedade, entendendo-os como uma oportunidade de sanar possíveis dúvidas que possam surgir quando da divulgação de qualquer uma de nossas pesquisas.

No caso específico dos dados sobre pessoas com deficiência no Censo Demográfico, esse sentimento é reforçado tanto pela importância da pesquisa como, principalmente, do próprio tema, que vem sendo pesquisado desde o primeiro levantamento censitário, acompanhando as inovações metodológicas em sua abordagem.

Andrea Borges é pesquisadora do IBGE

19.9.12

Contexto político

O Globo, Míriam Leitão, 19/09/2012:

Contexto político

No voto sobre o núcleo político, o relator Joaquim Barbosa começou pelo PP. Isso derruba, por absurda, a tese de que a distribuição de dinheiro era “apenas” para pagamento de gastos de campanha. Como o PP apoiou o candidato José Serra, em 2002, se a versão dos acusados fosse verdadeira, o PT estaria se endividando para pagar as contas da campanha dos seus adversários.

Uma das teses da defesa é que não seria necessária a compra de votos porque era um governo com popularidade e que tinha maioria. Não era bem assim. Os primeiros projetos enviados pelo presidente Lula não eram aceitos pelos próprios petistas. A reforma da previdência causou uma rebelião dos mais radicais. Os que ficaram contra a reforma, como os parlamentares Luciana Genro, João Fontes, Babá, e Heloísa Helena, foram expulsos. Essa foi a origem do PSOL. A reforma descontentou a maioria do PT e parte do PCdoB.

O PT, de Lula, o PL, de José Alencar, e o PCdoB, juntos, elegeram apenas 129 dos 513 deputados. Para aprovar uma PEC exige-se 308 votos, uma MP, 257. A estratégia governista foi manter o PT e os partidos mais ideológicos com o mesmo tamanho e inchar os partidos mais fisiológicos que aderiram à coalizão de governo. Os partidos de oposição foram lipoaspirados.

Assim, entre a eleição de 2002 e setembro de 2005, o PTB de Roberto Jefferson — que havia apoiado Ciro no primeiro turno — saiu de 26 para 46 deputados, o PL (hoje PR) saiu de 26 para 47 deputados. O PMDB fora parte da chapa de José Serra, com Rita Camata candidata à vice. Elegeu 74 deputados. Perdeu quatro até a posse, ficando com 70. Aderiu ao governo e ganhou 17. Teve deputado que trocou de partido mais de uma vez. Até março de 2005, houve 225 mudanças de partidos envolvendo 125 deputados (vejam os números no blog).

Já os partidos mais tradicionais de esquerda, PT e PCdoB, ficaram do mesmo tamanho. O PSB, que tinha disputado com o candidato Garotinho, e o PPS, que lançou Ciro Gomes, ficaram do mesmo tamanho. O valerioduto irrigou principalmente os partidos fisiológicos, que incharam.

Alguns partidos que estavam na oposição durante a campanha foram cooptados, como o PTB e o PMDB. Outros foram desidratados, como o então PFL e o PSDB. O PFL perdeu 26 deputados da bancada que elegeu, e o PSDB, 19. Assim, o governo enfraqueceu a oposição, preservou os partidos mais ideológicos do troca-troca e inchou os partidos de natureza mais fisiológica que deram apoio às suas propostas.

O governo queria não apenas aprovar as duas reformas, mas construir uma maioria ampla, com esse centrão, e assim não ter problemas no Congresso. As duas propostas de reforma foram apresentadas pelo governo Lula para enterrar de vez a desconfiança em relação à diretriz econômica que o governo adotaria. Queria mostrar que estava disposto a pagar o preço da austeridade.

A tese dominante do PT era que o déficit da previdência não existia, era apenas uma questão de como fazer a conta. A reforma desafiava esse entendimento. Desagradava uma importante base de apoio do governo que era o funcionalismo público. A reforma mudava a aposentadoria dos servidores.

O final da história é estranho, porque o governo acabou abandonando as duas reformas. A tributária não foi adiante. A da previdência exigia uma regulamentação do fundo de pensão dos funcionários públicos que só agora no governo Dilma é que foi feita. Mas essa maioria foi fundamental. Ela foi agraciada com cargos distribuídos não apenas na administração direta, mas nas estatais e até nas agências reguladoras. O arco se rompeu quando a briga estourou dentro da própria base.

17.9.12

Fahrenheit net

ANDREI BASTOS

As recentes ondas de protestos que desestabilizaram os já inconstantes núcleos dirigentes dos continentes africano, asiático e sul-americano parecem ter finalmente convencido os membros do núcleo dirigente mundial da necessidade de se por em prática as medidas de controle definitivas, programadas nos primórdios da era cibernética. Durante as cinco últimas décadas assistimos ao desenvolvimento acelerado de uma infinidade de pequenos grupos de mobilização social com os mais diversos propósitos, mas todos em oposição às diretrizes emanadas do comando mundial.

Quando os centros do poder sentiram que sua hegemonia estava ameaçada pela ascensão de grandes massas populares marginalizadas à chamada sociedade de consumo, particularmente migrando para suas cidades e promovendo embates culturais literalmente violentos, acenderam o sinal amarelo de alerta e deram início à busca de novas formas de controle social.

Os conflitos que se sucederam à grande crise econômica, incendiando as mais importantes cidades europeias e americanas, na sua quase totalidade tiveram seu fogo alimentado pela circulação livre da informação na internet. A rede mundial de computadores teve um papel fundamental na conscientização e mobilização dos enormes contingentes que se lançaram à conquista de seus espaços no mundo.

Mas tanto quanto deu consistência e organicidade aos movimentos sociais, a natureza etérea da rede também lhes proporcionou uma fragilidade inerente. O paradoxo já havia sido percebido pelos organismos de inteligência dos governos centrais e no final do século XX tais instituições começaram a trabalhar na construção paciente do “grande instrumento de poder”.

Ao se dedicarem a intervenções no fluxo de informações da rede, os agentes dos serviços de inteligência logo perceberam que o alcance do seu trabalho poderia ser infinitamente maior e a certeza do seu sucesso ficou inquestionável. O que se evidenciou foi que, muito mais do que apenas conhecer, controlar e dirigir os movimentos sociais segundo os interesses das classes dominantes, pela rede de computadores seria possível se assenhorear de todo o conhecimento humano.

Não foi nem um pouco difícil induzir as sociedades a adotarem as novas maneiras de trabalhar, se comunicar, se informar, se divertir, estudar e ler seus livros, que durante séculos lhes chegaram como volumes impressos pesados, mas que, todos juntos, agora têm a leveza do tablet. Tanto para quem produzia como para quem consumia, a nova forma de viver se justificava plenamente pela racionalidade de custos, altos lucros e infinitas possibilidades operacionais e de consumo.

Com esta aceitação generalizada da nova ordem, o direcionamento de todo o conhecimento humano para as mídias digitais foi uma tarefa suave para os agentes das classes dominantes. A partir de determinado momento, tudo estava ao alcance de um dedo indicador que liberasse o imperceptível e fulminante vírus delete. Seguindo os mesmos padrões da concentração de capital e dos oligopólios, a chamada sociedade da informação nunca foi mais do que dois ou três conglomerados de mídia digital que passaram a controlar o conhecimento humano. Apenas isso.

Agora, diante do avanço das hordas de bárbaros, chegou a hora de deletar tal conhecimento, a começar pelos ebooks maravilhosos de leitores fascinados.

A quarta cópia


O Globo, Blog do Noblat, 17/09/2012:

COMENTÁRIO
A quarta cópia, por Ricardo Noblat

Dá-se a prudência como característica marcante dos mineiros.

Teria a ver, segundo os estudiosos, com a paisagem das cidadezinhas de horizonte limitado, os depósitos de ouro e de pedras preciosas explorados no passado até se esgotarem, e a cultura do segredo e da desconfiança daí decorrente.

Não foi a imprudência que afundou a vida de Marcos Valério. Foi Roberto Jefferson mesmo ao detonar o mensalão.

Uma vez convencido de que o futuro escapara definivamente ao seu controle, Valério cuidou de evitar que ele se tornasse trágico.

Pensou no risco de ser morto. Não foi morto outro arrecadador de recursos para o PT, o ex-prefeito Celso Daniel, de Santo André?

Pensou na situação de desamparo em que ficariam a mulher e dois filhos caso fosse obrigado a passar uma larga temporada na cadeia. E aí teve uma ideia.

Ainda no segundo semestre de 2005, quando Lula até então insistia com a lorota de que mensalão era Caixa 2, Valério contratou um experiente profissional de televisão para gravar um vídeo.

Poderia, ele mesmo, ter produzido um vídeo caseiro. De princípio, o que importava era o conteúdo. Mas não quis nada amador.

Os publicitários de primeira linha detestam improvisar. Valério pagou caro pelo vídeo do qual fez quatro cópias, e apenas quatro.

Guardou três em cofres de bancos. A quarta mandou para uma das estrelas do esquema do mensalão, réu do processo agora julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Renilda, a mulher dele, sabe o que fazer com as três cópias. Se Valério for encontrado morto em circunstâncias suspeitas ou se ele desaparecer sem dar notícias durante 24 horas, Renilda sacará dos bancos as três cópias do vídeo e as remeterá aos jornais O Estado de São Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo. (Sorry, VEJA!)

O que Valério conta no vídeo seria capaz de derrubar o governo Lula se ele ainda existisse, atesta um amigo íntimo do dono da quarta cópia.

Na ausência de governo a ser deposto, o vídeo destruiria reputações aclamadas e jogaria uma tonelada de lama na imagem da Era Lula. Lama que petrifica rapidinho.

A fina astúcia de Valério está no fato de ele ter encaminhado uma cópia do vídeo para quem mais se interessaria por seu conteúdo. Assim ficou provado que não blefava.

Daí para frente, sempre que precisou de ajuda ou consolo, foi socorrido por um emissário do PT. Na edição mais recente da VEJA, Valério identifica o emissário: Paulo Okamotto.

Uma espécie de tesoureiro informal da família Lula da Silva, Okamotto é ligado ao ex-presidente há mais de 30 anos.

No fim de 2005, um senador do PT foi recebido por Lula em seu gabinete no Palácio do Planalto. Estivera com Valério antes. E Valério, endividado, queria dinheiro. Ameaçava espalhar o que sabia.

Lula observou em silêncio a paisagem recortada por uma das paredes envidraçadas do seu gabinete. Depois perguntou: “Você falou sobre isso com Okamotto?”

O senador respondeu que não. E Lula mais não disse e nem lhe foi perguntado. Acionado, Okamotto cumpriu com o seu dever. Pulou-se outra fogueira. Foram muitas as fogueiras.

Uma delas foi particularmente dramática.

Preso duas vezes, Valério sofreu certo tipo de violência física que o fez confidenciar a amigos que nunca, nunca mais voltará à prisão. Prefere a morte.

Valério acreditou que o prestígio de Lula seria suficiente para postergar ao máximo o julgamento do processo do mensalão, garantindo com isso a prescrição de alguns crimes denunciados pela Procuradoria Geral da República.

Uma eventual condenação dele seria mais do que plausível. Mas cadeia? E por muito tempo?

Impensável!

Pois bem: o impensável está se materializando. E Valério está no limiar do desespero.

16.9.12

A idade da razão

ANDREI BASTOS

Para minhas sobrinhas Alice e Luisa, lindas e cheias de razão.

Em 1968, quando eu tinha 17 anos, as pessoas de 60 eram contra as minhas escolhas políticas, que muitas vezes se manifestaram na Cinelândia, começando pelo velório de Edson Luís, estudante morto pela ditadura.

Junto com os Beatles e os Rolling Stones, eu curtia Geraldo Vandré, Caio Prado Júnior, Caetano, Vladimir Ilitch Lenin, Gil e, acima de tudo, Che Guevara. No fundo, o cenário e a trilha musical dos meus 17 anos mesclavam sons, imagens e pensamentos diversos no ritmo dos sonhos de liberdade, para mim e para o mundo que minha geração estava transformando.

Tudo mudou com a força da razão contida em nossas ideias e com o poder do amor que existia em nossos corações. Fomos vitoriosos e conseguimos transformar o mundo, fazendo-o melhor, apesar da sofrida, sangrenta, torturante e, muitas vezes, mortal derrota que a força das armas e o poder do mal que habitava torturadores e assassinos da ditadura nos infligiram.

Hoje, por mais que as forças sombrias da existência insistam em conspurcar e corromper as conquistas obtidas na nossa juventude, atuais sexagenários que somos, novos contingentes de sonhadores de 17 anos se sucedem, mantendo o ritmo das mudanças do mundo, sempre para melhor.

É verdade que uma das derrotas que sofremos, certamente a maior, foi o vazio em nossa história deixado pelo “apagamento” da geração 68 e pela anulação intelectual e existencial da que se seguiu a ela. Mas nada como um dia após o outro para renovar as boas surpresas da vida.

E uma das últimas boas surpresas que tive foi o convite que minhas sobrinhas de 19 e 17 anos, Alice e Luisa, me fizeram para assistir a um filme sobre problemas do meio ambiente e sustentabilidade, com debate no fim da projeção. Isso foi há uns poucos meses e, para minha maior surpresa, o evento estava programado para 9h de um domingo, na Cinelândia (!).

Quase não acreditei no auditório grande lotado que encontrei, e só não me senti deslocado na multidão de recém-saídos da adolescência porque minhas sobrinhas lindas me acobertaram. Depois, também quase não acreditei quando o programa se revelou um ato político liderado por um parlamentar convencional, de um partido igualmente convencional.

Eu, que me considero um adolescente de 60 anos, que ainda frequenta manifestações políticas na Cinelândia, a exemplo do último protesto na porta do Clube Militar, encarei a cena de um político careta falando para uma pequena multidão de gente aparentemente igual a mim, ao menos em pensamento, como um anacronismo. Eu, que propus a autodissolução do partido ao qual era filiado por não acreditar mais na política partidária convencional, me senti, aí sim, deslocado no meu radicalismo.

Por outro lado, meus 17 anos também me ensinaram a ouvir e considerar outros pontos de vista, que agora, com a mesma razão contida nas ideias e o mesmo amor existente nos corações adolescentes de 1968 na Cinelândia, me foram apresentados pelo público daquele auditório do cinema Odeon, por Alice, Luisa e pela amiga delas, Gisela “Freixo”.

14.9.12

Rose

No velório da Rose, contei que no dia anterior à internação ela fez questão de me acompanhar num cafezinho na sala, ficando longamente de mãos dadas comigo e me olhando fixamente. Eu também disse que nessa hora ela me passou a certeza de que compreendia o que estava acontecendo, sem revolta ou aceitação, vivendo o momento com serenidade, e compartilhei minha certeza com os presentes.

O que agora tenho para contar é que, poucas horas depois do cafezinho na sala, acorri aos pedidos de ajuda da Marlene, sua acompanhante, que a sustentava desfalecida. Quando Marlene saiu em busca de socorro médico, fiquei novamente de mãos dadas com a Rose, já deitada em sua cama, com os olhos bem abertos fitando um teto muito acima daquele do apartamento.

Eu acredito na vida após o que chamamos de morte. E, assim como entendi que durante o cafezinho a Rose olhava para todos os rostos das suas pessoas queridas através do meu, em despedida, percebi que da cama ela olhava para todas as suas outras pessoas queridas no lugar para onde estava indo.

Depois de receber seu olhar desviado para mim, com uma das mãos comecei a acariciar seus cabelos e seu rosto, fazendo as mágicas cosquinhas em que nossa família é viciada. Perguntei se estava bom e, em resposta, ela fez que sim com a cabeça e fechou os olhos para sentir melhor.

Então, outra vez a Rose me passou uma certeza: a de que foi assim, através das minhas mãos, que suas outras pessoas queridas, que vivem além de nós, gentilmente a conduziram pelo último mistério da existência.

Com saudade,

Andrei

*Rose era a minha tia que “adotou” a mim e a meus irmãos e morreu no último dia 24 de agosto. Escrevi o texto acima para nossos parentes e amigos no dia da missa de sétimo dia.

7.9.12

Cidadania e Inclusão Social – Folha ZN 21


Folha ZN, 07/09/2012

Cidadania e Inclusão Social
ANDREI BASTOS

Questão de direito

DEFICIÊNCIA NÃO É DOENÇA OU INCAPACIDADE e, por isso, não rima com caridade. Este é o entendimento que as pessoas com deficiência têm de si mesmas depois das suas grandes conquistas políticas e jurídicas, entre as quais se destaca a Convenção da ONU para Pessoas com Deficiência, que tem equivalência de Emenda Constitucional no Brasil. Com o lúcido deslocamento das suas questões para o campo dos direitos humanos, os deficientes se afirmam socialmente cada vez mais, dispensando qualquer tutela excepcional, a exemplo de um Estatuto como o da Criança ou o do Idoso, que nestes casos se justifica. A caridade é altamente louvável, mas os deficientes lutam é por direitos.

A ZN tem a força!
MAIS DO QUE COM ALUGUÉIS EQUIVALENTES AOS DA ZONA SUL, como reportagem do Globo afirmou em agosto, a ZN demonstra que tem a força pela sua crescente importância política. A “nova classe média”, que predomina nos bairros da região, chegou pra ficar e influir decisivamente na vida do Rio de Janeiro, a começar pelas próximas eleições municipais. Com maior presença na economia e na cultura, com destaque nas telenovelas, os eleitores da ZN influenciarão as outras regiões e definirão os vitoriosos em outubro. Eleitor ZN, vote em quem merece seu voto!

Alemão pra “inglês ver”
O PRÍNCIPE INGLÊS HARRY FOI AO ALEMÃO, chegando pelo teleférico e subindo no palco em que o cantor Diogo Nogueira se apresentava. Várias iniciativas de inclusão social foram tomadas no Complexo depois da instalação da UPP e antes da Conferência Rio+20. Mas, nos últimos tempos parece que alguma coisa está fora do lugar: PM é morta em tiroteio; explosivos são encontrados na Fazendinha; policiais estouram local de endolação de drogas; mais 500 soldados se juntam aos 1.200 já existentes. Cadê a pacificação e o legado da Rio+20? Era só pra inglês ver?

ANDREI BASTOS é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
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