30.10.12

Chico de Oliveira no Roda Viva


29.10.12

Tocorimé Pamatojari


21.10.12

Preconceito

ANDREI BASTOS

Ontem fui dormir deixando minha cadeira de rodas motorizada (elétrica) carregando as baterias durante a noite, e hoje cedo, com as ditas cujas carregadas, participei de uma passeata na orla para festejar a atuação do STF no julgamento do mensalão.

Encontrei meus amigos, comprei minha máscara de Joaquim Barbosa, peguei um bolo de panfletos e saí distribuindo-os para as muitas pessoas saudáveis e bem vestidas, ou bem equipadas, que patinavam, caminhavam ou simplesmente passeavam na pista transformada em calçadão.

Os participantes de fato eram poucos, diante de uma sociedade ali representada, como em geral, por cidadãos acima de qualquer participação, mas seu entusiasmo sincero e fantasiado com máscaras e capas pretas do novo herói nacional contagiava e ganhava alguns corações e mentes.

Eu, velho frequentador de eventos desse tipo, fiquei feliz como pinto no lixo e pouco liguei para quem recusou meus panfletos, seguindo em frente com meu sorriso e meus bons-dias cívicos.

Sou um ativista dos direitos humanos e estou cansado de dar esses bons-dias cívicos em passeatas pelos direitos das pessoas com deficiência, pela igualdade racial ou liberdade religiosa, assim como em manifestações contra a corrupção e pela ética na política, como a de hoje. Na verdade, vou para a rua protestar desde a adolescência, no movimento estudantil contra a ditadura de 64.

Quase no fim da caminhada, olhei para o relógio e o horário de verão me surpreendeu com meu atraso para outro compromisso, o que me fez dar meia volta e acelerar os motores para ir embora.

Quem conhece minha cadeira motorizada, sabe que ela é poderosa e deixa os pobres andantes na poeira. Por isso, quando estou “pisando” no seu acelerador, dirijo com atenção ampliada muitos metros à frente para evitar acidentes.

Em determinado momento, vi, em meio àquela gente bronzeada e cheia de valor, um homem muito sujo, magro e maltrapilho, certamente morador de rua, que cambaleava como um bêbado, mas que fixou seu olhar em mim. A essa altura, eu já tinha traçado minha rota me distanciando o mais possível dele, competentemente considerando suas oscilações e a circulação dos outros.

Passei pelo homem como um bólido, mas ouvi que ele disse “aí, dotô, só passeando…”, talvez introduzindo o pedido de uns trocados para mais um trago ou mais uma pedra. Reduzi bruscamente e ia me voltar quando o ouvi novamente, então dizendo “sem uma perna, fodido, e continua arrogante”.

15.10.12

Clara Palavra 133

12.10.12

Exclusão perpétua

O Globo, Opinião, 12/10/2012:

Exclusão perpétua

ANDREI BASTOS

Nestas eleições, como há muitos anos, fui até uma determinada escola pública para votar. Voto na mesma seção desde quando mudei para a rua onde a escola está, embora eu já esteja morando em outro bairro há bastante tempo. Ao chegar, fiquei surpreso com os corrimãos colocados na primeira escadaria de acesso ao prédio, cuja inexistência nas eleições passadas me obrigou a subir me apoiando na parede lateral. Sou amputado de uma perna e uso muletas.

Vencidos mais dois degraus da entrada, um PM gentil me recepcionou e perguntou se eu estava ali para “justificar ou votar”. Com minha resposta e a verificação no meu título de eleitor, confirmamos que minha seção continuava a dois outros lances de escadaria, no segundo andar.

O PM se mostrou indignado com a falta de acessibilidade, defendendo a ideia de que os “cidadãos com deficiência” deveriam ter esse direito respeitado. Eu gostei da atitude porque não me senti tratado como “coitadinho”.

O mesmo não posso dizer da iniciativa do TSE de preparar seções especiais para pessoas com deficiência, com a indicação de transferência das inscrições dos seus títulos eleitorais para tais lugares. Eu continuarei a votar na mesma seção porque gosto do lugar onde morei, de encontrar antigos vizinhos e, simplesmente, porque quero.

Com tanto tempo de Lei 10.098 (Lei da Acessibilidade) e Decreto 5.296, é de admirar que a própria Justiça, no caso a eleitoral, não respeite a lei e ofereça unicamente lugares de votação acessíveis. Se escolas e outras construções usadas nas eleições não têm acessibilidade, cabe à Justiça, no caso não apenas a eleitoral, fazer cumprir a lei e atender aos já incontáveis pleitos que recebeu.

A ideia dessas seções eleitorais especiais, que parece atender a direitos, esconde o pior da discriminação e promove a segregação já existente em guetos do atendimento, da educação, do trabalho e do lazer, assim como ONGs, escolas e demais instituições exclusivistas anulam o processo de inclusão e confinam deficientes nas quatro paredes de uma magnanimidade falsa.

Diante dos conceitos de Acessibilidade e Desenho Universal, e, principalmente, da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que em 2009 foi promulgada com equivalência de Emenda Constitucional, é inadmissível que as exceções não sejam seções eleitorais sem acessibilidade e que a Justiça Eleitoral contribua para a condenação dos deficientes à exclusão perpétua.

Depois de votar, fui abordado por pessoas que trabalhavam para o TRE e me deram um formulário para preencher. Além da identificação pessoal, o papel solicitava a identificação da minha deficiência. Espero que nas próximas eleições eu não seja abordado para me tatuarem o símbolo internacional da acessibilidade na testa.

Andrei Bastos é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio.

Darwin no Tocorimé


7.10.12

Avenida Brasil

Carminha contrata Lewandowski como seu advogado!

1.10.12

'Pelo amor de Deus, entreguem-me à Justiça'

O Globo, Opinião, 01/10/2012:

‘Pelo amor de Deus, entreguem-me à Justiça’

WAGNER GONÇALVES
E NADINE BORGES

No dia 16 de maio, a presidente Dilma Rousseff anunciou o início dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade. Objetiva ela apurar graves violações de direitos humanos praticadas no período de 1946-1988. O significado de graves violações de direitos humanos foi construído ao longo dos séculos essencialmente para enfrentar a violência praticada pelo Estado. Massacres, genocídios, invasões, tortura sistemática por “crime” de opinião, assassinatos de pessoas que se opõem a determinado regime, desaparecimentos forçados, “condenações” sem julgamentos, inexistência de proteção do Estado para os familiares de mortos e desaparecidos, igualmente perseguidos, sempre foram resultados de ações de agentes estatais.

Isso foi o que ocorreu durante a ditadura militar de 1964 a 1985. Aos olhos do Estado, todos eram culpados até prova em contrário. Estabeleceu-se no Brasil um regime de exceção, onde a tortura e um sistema secreto de informação e contrainformação deram suporte ao regime. À guisa de combater “subversivos”, os fins justificavam os meios, que eram sempre cruéis.

Tudo era possível à comunidade de informações. Assim, os “terroristas” ou aqueles que não aceitavam o regime ditatorial eram torturados, violentados, assassinados, desaparecidos, perseguidos, “julgados” em delegacias e quartéis na ausência de seus advogados, que muitas vezes também eram perseguidos. O simples fato de pensar diferente era considerado crime contra o Estado, quanto mais se expressar ou participar de qualquer movimento, passeata ou manifestação! Suprimiu-se até o habeas corpus, remédio essencial a qualquer sociedade organizada, cuja inexistência, por si só – em qualquer tempo – aproxima o homem da barbárie.

Por isso, não poderia ser outro o entendimento da Comissão Nacional da Verdade, ao firmar sua posição de não apurar a verdade “dos dois lados”: os atos dos torturadores (agentes do Estado) e os dos torturados, mortos ou desaparecidos. Estes já foram condenados, mortos ou desaparecidos nos porões da ditadura.

Muitos foram julgados pelos tribunais militares, cumpriram penas e, por isto, não foram anistiados: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal (§ 2º, art. 1º da Lei nº 6.683, de 28.8.1979).”

Portanto, mesmo que a Comissão Nacional da Verdade quisesse – e isso seria um contrassenso – não poderia apurar os “crimes” daqueles que lutaram contra o regime. Isso já foi feito, quando era identificada a autoria, seja por “justiçamento” ou qualquer outro motivo. Se o espírito de corpo até hoje permite aos policiais fazer “justiça com as próprias mãos”, imaginem nessa época com o poder sem limite de decidir sobre a vida e a morte dos acusados. Detido, o sonho de qualquer preso era ser levado à Justiça formalmente. Aí ele passava a ter um nome, identidade, rosto, sua família era avisada, podia ter advogado, tinha um processo, estava inserido no sistema, sua prisão era oficializada, enfim, com todas as limitações, teria direito de defesa e respeito à sua integridade física.

Não, o Estado ditatorial e seus agentes não oficializavam formalmente esses atos e não garantiram os direitos mínimos. Trabalhavam sem identificação, sem mandato judicial, com roupas e carros descaracterizados. Todos os atos, entretanto, eram registrados dentro da comunidade de informação, aos quais ninguém tinha acesso, nem o Poder Judiciário.

Correta, pois, a decisão da Comissão Nacional da Verdade ao reconhecer que as graves violações de direitos humanos, a serem apuradas, são aquelas perpetradas por agentes do Estado. Quaisquer outros atos ou violências praticadas foram apurados à exaustão e os acusados foram torturados, demitidos, exilados, mortos, desaparecidos e sentiram no próprio corpo essa “apuração”.

Um exemplo emblemático de grave violação de direitos humanos é o de Eduardo Collen Leite, o Bacuri, preso pelo torturador Sergio Paranhos Fleury. Antes de ser assassinado, gritava: “Pelo amor de Deus, vocês não podem fazer isso comigo. Entreguem-me à Justiça.”

Só pôde contar com a justiça divina.

Wagner Gonçalves foi subprocurador-geral da República
Nadine Borges é advogada e professora de Direitos Humanos